Chamou minha atenção uma curta notícia (TS Digest Issue | December 2023 | Mean, Green, Antibody-producing Machines | The Scientist (the-scientist.com) postada por uma estudante de pós-graduação que postou a sua aflição com amostras obtidas com enorme esforço e que seriam perdidas não fosse o fato que um novo aluno topou continuar aquele projeto usando as amostras. Meenakshi Prabhune é hoje uma jornalista que escreve para o The Scientist. Também comentou sobre um post que ela leu de um pesquisador em vias de se aposentar e do seu desespero com o destino incerto de suas caixas de preciosas amostras guardadas com tanto carinho no freezer do laboratório. Me lembrei sobre o longo processo que empreendi para finalizar as minhas atividades de pesquisa na bancada e resolvi contar um pouco sobre essa parte da minha jornada na ciência.
Primeiramente, mudei quatro vezes de laboratório ao longo da minha carreira. No primeiro caso não havia amostras para salvar porque foram estudos feitos no começo dos anos 70, e basicamente usava-se amostras frescas ou armazenadas por curto espaço de tempo para não deteriorar os componentes e a atividade enzimática nos tecidos. Já no segundo laboratório onde trabalhei por mais de 20 anos, em imunogenética, havia muitas amostras.
No entanto, eram os anos 80 e amostras de DNA eram extraídas com métodos caseiros, pois os " kits" de excelente qualidade usados hoje em dia ainda não eram rotineiramente disponíveis aqui no Brasil. Assim, o que fazíamos era periodicamente verificar se as amostras estavam íntegras e podiam ser usadas nos testes. As que estavam em boas condições faziam parte do banco de amostras de DNA do laboratório, mas ficavam sob a guarda de um pesquisador. Desta forma, as amostras puderam ser utilizadas repetidas vezes (com o consentimento informado do doador de acordo com as leis vigentes na época), permitindo inclusive adicionar-se informação experimental preciosa a uma mesma amostra. Artigos publicados na minha bibliografia mostram o estudo de marcadores genéticos diferenciados ao longo dos anos, analisados à luz de dados demográficos e clínicos, emprestando qualidade e significado biológico aos resultados obtidos.
Já no terceiro e quarto laboratório, as amostras de células, de DNA e de RNA, obtidas com grande empenho foram zelosamente guardadas, mas, infelizmente, nem todas foram utilizadas em sua plenitude.
Por outro lado, ilustrando como pode ser longo e trabalhoso o processo de encerramento de uma carreira na pesquisa, conto para vocês, que tomada a decisão em 2015, levei quase 5 anos para encerrar todas as atividades de pesquisa, finalizar todas as orientações e publicar todos os artigos (o último saiu em 2020)! Nesse caso, foi com um certo pesar que joguei fora as poucas amostras que restavam, em especial as de células congeladas e de RNA, pois se referiam diretamente a certas condições experimentais cujo estudo estava finalizado e já publicado. Esse curto relato ilustra como as decisões tomadas em relação ao armazenamento de amostras vai depender diretamente do tipo de amostras coletadas, das condições experimentais de obtenção, das restrições de uso acordadas com parceiros e colaboradores, e, não menos importantes, das diretrizes éticas de uso e reuso acopladas às amostras obtidas, seja de animais, plantas ou de seres humanos.
Por fim, falta ainda contar por que tomei essa decisão que é tão difícil para um cientista de coração. Ao longo da carreira mudei de área de estudos e vi as ciências biológicas e médicas evoluírem com velocidade e sofisticação cada vez maiores. O advento da Biologia de Sistemas e das “ômicas”, que usam um arsenal de competências que eu não tinha, me fez ver que, para alcançar um patamar de qualidade que eu creio firmemente deve guiar o trabalho do cientista, eu precisaria estudar muito, por vários anos, fazer estágios, estabelecer novas parcerias e achei que poderia contribuir mais usando minha experiência para comunicação da ciência, fomento da excelência e qualidade na pesquisa e o desenvolvimento de áreas igualmente importantes como é a da integridade científica. Aos que estão nesse momento de suas vidas desejo coragem e desprendimento! Eu sei por experiência própria como essa passagem é difícil!
Scientists also retire!
A short piece of news caught my attention (TS Digest Issue | December 2023 | Mean, Green, Antibody-producing Machines | The Scientist (the-scientist.com) shared by a graduate student who expressed concern about samples obtained with huge effort, which would have been lost if not for a new student agreeing to continue the project using those same samples. Meenakshi Prabhune is currently a journalist writing for The Scientist. She also mentioned a post she read from a researcher about to retire, expressing despair about the uncertain fate of his precious samples stored away in boxes in the laboratory freezer. This reminded me of the lengthy process I underwent to conclude my research activities at the lab bench, and I decided to share with you a bit about this part of my scientific journey.
To begin with, I changed laboratories four times throughout my career. In the first case, there were no samples to save because the studies were conducted in the early 1970s, primarily using fresh samples or samples stored for a short time to prevent the deterioration of components and enzymatic activity in tissues. Moving on to the second lab, where I worked for over 20 years in Immunogenetics, there were plenty of samples. However, it was the 1980s, and DNA samples were extracted using homemade methods since the high-quality "kits" commonly used today were not routinely available in Brazil at that time. Thus, our practice involved periodically checking if the samples were intact and suitable for testing. Those in good condition became part of the lab's DNA sample bank, but under the care of a responsible researcher. Consequently, these samples were used multiple times (with informed consent from the donor, according to the laws prevailing at the time), allowing for the addition of valuable experimental information to the same sample. Articles in my bibliography showcase the study of distinct genetic markers over the years, analyzed in light of demographic and clinical data, lending quality and biological significance to the obtained results. However, in the third and fourth labs, despite conscientiously storing cells, DNA, and RNA samples obtained by way of significant efforts, unfortunately, not all were fully utilized.
On the other hand, illustrating how lengthy and laborious the process of concluding a research career can be, let me share that after making the decision in 2015, it took me almost 5 years to conclude all research activities, finalize all supervisions, and publish all articles (the last one came out in 2020)! In this case, it was with some regret that I disposed of the few remaining samples, especially frozen cells and RNA, as they pertained directly to certain experimental conditions whose study had concluded and had already been published. This brief account illustrates how decisions regarding sample storage directly depend on the type of collected samples, experimental conditions of acquisition, usage restrictions accorded with partners and collaborators, and, no less importantly, ethical guidelines for the use and reuse of samples obtained, be it from animals, plants, or human beings.
Lastly, I still need to explain why I made this decision, which is so challenging for a scientist at heart. Throughout my career, I shifted study areas and witnessed the rapid and increasingly sophisticated evolution of biological and medical sciences. The emergence of Systems Biology and the “omics”, employing a set of skills I did not possess, made me realize that to achieve a level of quality that I firmly believe should guide a scientist's work, I would need to study extensively for several years, undertake internships, establish new partnerships, and I felt I could contribute more by utilizing my experience in communicating science, promoting excellence and quality in research, and developing equally important areas, such as scientific integrity. To those currently at this stage in their lives, I wish courage and detachment! I know from personal experience how challenging this transition can be!
Comentarios