Último dia do congresso. Cansaço! Mas vamos lá... Uma surpresa maravilhosa, logo pela manhã. A sessão plenária sobre viés étnico e racial quando se traduz pesquisa em políticas públicas, com três palestrantes: uma pesquisadora da África do Sul, psicóloga clínica na área social, uma jovem médica antropóloga versada em Genética e uma editora (The Lancet). Após a colocação do problema pela Dra. Thirusha Naidu, detalhando as armadilhas do viés racial e étnico que se encontra em todos nós, uma maravilhosa palestra da Dra. Jessica Cerdeña foi fascinante e esclarecedora. Falou sobre racismo científico e de como isso permeia as decisões médicas historicamente baseadas em traços fenotípicos definindo "raças", de como a genética das doenças falsamente rotula as doenças como sendo ligadas às "raças" e como podemos repensar esse conhecimento todo para diminuir o impacto nas decisões de saúde pública.
Discorreu sobre as definições de "raças" e como elas mudam ao longo do tempo e com os ventos políticos, da confusão entre ancestralidade e origem étnica, que nem sempre andam juntas e quanto maior o número de gerações passadas mais distantes ficam. Deu exemplos práticos. Um homem suíço (branco) com gota, recebe alopurinol sem ser testado para HLA-B*5801 que causa reações de hipersensibilidade à droga. Esta variante existe em baixa frequência na população branca, mas ainda assim está presente, ao passo que um homem negro com a mesma doença seria testado, quando na verdade apenas 30% carregam o alelo. Importante notar que a frequência deste alelo em algumas cidades suíças é tão alta quanto nos negros americanos! Mesmo tipo de problema ocorre com a doença de Tay-Sachs e anemia falciforme, doenças causadas por alterações genéticas pontuais.
O alelo causador da anemia falciforme é selecionado pela presença de malária e, de fato, não está só presente na África subsaariana, mas também em países do sul asiático, sem falar de populações miscigenadas como é o caso do Brasil e dos países do Caribe. A Dra. Cerdeña levantou vários pontos adicionais, incluindo o fato da obrigatoriedade de perfilamento racial pelos clínicos para tomar decisões médicas nos EUA, apesar dos tons de pele variarem enormemente. Por fim, levantou a questão da inteligência artificial se alimentando de todos estes vieses que recheiam a literatura. Para quem se interessar, é só digitar o nome dela e há muitas palestras e seus artigos no Google scholar.
Pode também assistir esse vídeo de 2,5 minutos (https://www.youtube.com/watch?v=FlqQ4qvqcL8) que ilustra perfeitamente toda a questão. Dra. Mabel Chew complementou a sessão sugerindo caminhos a serem tomados pelas editoras, como por exemplo, diversificar o corpo editorial e o conjunto de revisores e melhorar a inclusão de autores oriundos das minorias (https://www.thelancet.com/equity-diversity-inclusion).
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