1. Má-conduta 2024
Comentário publicado no começo do ano na revista Science por Ivan Oransky e Barbara Redman discorre sobre os esforços do Escritório de Integridade Científica americano (Office of Research Integrity). Este artigo (Rooting out scientific misconduct | Science, 11 Jan 2024, 383 (6679):131; DOI: 10.1126/science.adn9352) informa que a nova diretora do ORI, Sheila Garrity propôs modificações às diretrizes da organização, que incluem definições de má-conduta mais precisas, por exemplo da palavra -irresponsável- (indiferença ou desdém pela verdade e correção do assunto em análise) usada em vários casos de fraude identificadas pelo ORI. No entanto, o ORI tem alcance para julgar e punir apenas o investigador em falta e este alcance é parcial. Assim, o artigo também alerta para a ausência de alcance às instituições que deveriam igualmente sofrer sanções quando não estabelecem um ambiente de apoio às boas práticas. E mais, a falta de empoderamento legal faz com que os casos de má-conduta sejam examinados pelas próprias instituições, num evidente conflito de interesse. Dessa forma, a investigação não é conduzida de forma isenta, por terceiros. Mais uma vez, os americanos estão mostrando o caminho para fazer frente à enxurrada de casos de fraude na literatura científica.
2. A saga contra as usinas de papel (paper mills)
Nesse ano que se inicia, a luta contra a disseminação das paper mills começa a tomar mais corpo. Recomendo a leitura do artigo na Science (https://www.science.org/content/article/paper-mills-bribing-editors-scholarly-journals-science-investigation-finds) sobre essas empresas que vendem publicações científicas falsas e autorias indevidas. Na medida que o mercado se dá conta disso e toma providências para coibir as atividades, essas empresas usam agora uma nova estratégia. Buscam aliciar os próprios editores e membros do corpo editorial com dinheiro para facilitar as suas publicações. Têm inclusive membros dos corpos editoriais infiltrados para obter mais facilidades. Marcelo Morales, professor titular no prestigioso IBCCF, publica no linkedin matéria esclarecedora sobre o assunto. (https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7154846096639340544/). Vale a pena ler. Nessa luta também vêm se juntar uma outra iniciativa, conduzida por um grupo de organizações (doi: https://doi.org/10.1038/d41586-024-00159-9), que buscam entender e combater o negócio dos paper mills, tão danoso para a veiculação e, ao final, a credibilidade da comunicação científica.
3. Compartilhamento de dados 2024
Notícia veiculada em todos as mídias ligadas à academia, em especial na Forbes, no primeiro dia do ano. A revista de maior fator de impacto na área médica IF >176!), o New England Journal of Medicine conhecida pelo seu acrônimo NEJM, publicou na sua edição de 28 de dezembro de 2023,o artigo - Data Management and Sharing (DMS) Policy of the National Institutes of Health (NIH), por Ross, Waldstreicher e Krumholz (DOI: 10.1056/NEJMp2308792), aparentemente voltando atras na sua política em relação a dados, em consonância com as diretrizes do NIH e agora confirmadas pelo escritório da Presidência dos Estados Unidos. Não faz muito tempo que o NEJM chamou de research parasites os que advogavam em prol do compartilhamento de dados, identificando-os como "parasitas" dos dados obtidos por terceiros. A ironia é apontada pelo próprio Ross, que na época do editorial comentado acima já tinha reclamado veementemente. Um grupo de cientistas até instituiu um prêmio (Research Parasite Award) dado anualmente (pelo menos até 2018) aos que contribuíram de forma relevante à ciência usando dados gerados por outros cientistas (https://researchparasite.com/). De qualquer forma, uma mudança bem-vinda. Um excelente exemplo do fantástico potencial de bancos de dados acessíveis é a notícia na Nature de 16 de janeiro, sobre o maior banco de dados genéticos marinho compilado até hoje e que está agora gratuitamente disponível online (doi: https://doi.org/10.1038/d41586-024-00133-5). Nas palavras da Nature: A trove of more than 300 million gene groups from ocean bacteria, fungi and viruses has been made freely available online. Imaginem os estudos que podem ser feitos!
4. Boas Práticas 2024
Não resisto a tentação! Saiu no volume de janeiro da Nature Biotechnology um editorial sobre a redução de custos no desenvolvimento de terapias gênicas e celulares em países em desenvolvimento (Johnson, B. Reducing the costs of blockbuster gene and cell therapies in the Global South. Nat Biotechnol 42, 8–12 (2024). https://doi.org/10.1038/s41587-023-02049-3). Neste artigo é citado, com destaque, o trabalho feito no Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, uma instituição sem fins lucrativos, onde trabalhei de 2009 a 2020. Meus ex-colegas, Ricardo Weinlich, Nelson Hamerschlak e Kenneth Gollob, têm feito um trabalho primoroso no desenvolvimento da terapia com células CAR-T, da terapia gênica para correção da anemia falciforme e de tratamentos contra o câncer com anticorpos inovadores. Isso tudo com toda a qualidade científica e técnica e os cuidados éticos exigidos para se implementar com sucesso um novo tratamento em seres humanos. No artigo há uma análise muito boa sobre as diversas iniciativas para viabilizar essas terapias em países sem tantos recursos financeiros.
5. Um caso bizarro 2024
Uma pesquisadora está às voltas com um erro de editoração do grupo Springer Nature. A versão definitiva do artigo foi publicada com uma figura trocada, totalmente fora do contexto, não fornecida pelos autores. Imaginem o susto da pesquisadora ao abrir seu artigo recém-publicado em revista de impacto 3,6! O erro foi imediatamente identificado pela autora e comunicado à editora. Mas, acreditem se quiser: O pdf foi de fato corrigido, mas a versão online não, porque aparentemente, de acordo com a editora, após a publicação, a informação passa a fazer parte da literatura científica e é distribuída a todos os serviços de divulgação e indexação e não pode ser modificada! Uma situação bizarra onde o artigo publicado como preprint está correto, o pdf está correto, mas o artigo disponível na página da revista continua com a figura trocada. Mais uma vez, precisamos prestar atenção ao que a gente lê e vê na internet.
Scientific Integrity, the saga lives on: Welcome to 2024!
1. Misconduct, 2024
A comment published early in the year in the journal Science by Ivan Oransky and Barbara Redman discusses renewed efforts by the American Office of Research Integrity (ORI). The article (Rooting out scientific misconduct | Science, 11 Jan 2024, 383 (6679):131; DOI: 10.1126/science.adn9352) reports that the new director of ORI, Sheila Garrity, has proposed modifications to the organization's guidelines, including more precise definitions of misconduct, such as the word "reckless" (indifference or disdain for the truth and correctness of the subject under analysis) used in several fraud cases identified by ORI. However, ORI only has the authority to judge and punish the involved investigator, and this authority is limited. The article also warns about the lack of authority over institutions that should also face sanctions when they fail to establish an environment supportive for good practices. Furthermore, the lack of legal empowerment results in misconduct cases being examined by the institutions themselves, creating an evident conflict of interest. Once again, Americans are leading the way in tackling the flood of fraud cases in scientific literature.
2. The battle against paper mills
Right from the beginning of this year, we acknowledge that the fight against the spread of paper mills is gaining momentum. I recommend reading the article in Science (https://www.science.org/content/article/paper-mills-bribing-editors-scholarly-journals-science-investigation-finds) about companies selling fake scientific publications and unauthorized authorships. As the market becomes aware of this and takes measures to curb these activities, these companies are now employing a new strategy. They attempt to bribe editors and members of editorial boards with money to facilitate their publications. They even have members infiltrated in the editorial boards to gain more advantages. Marcelo Morales, a professor at the prestigious IBCCF, shares an enlightening article on the subject on LinkedIn (https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7154846096639340544/). It's worth reading. Another initiative joining this fight is led by a group of organizations (doi: https://doi.org/10.1038/d41586-024-00159-9), aiming to understand and combat the business of paper mills, which is harmful to the dissemination and, ultimately, the credibility of scientific communication.
3. Data sharing in 2024
News circulated in all academia-related media, especially in Forbes, on the first day of the year. The New England Journal of Medicine (NEJM), the highest-impact factor journal in the medical field (IF >176!), published in its December 28, 2023 edition the article "Data Management and Sharing (DMS) Policy of the National Institutes of Health (NIH)" by Ross, Waldstreicher, and Krumholz (DOI: 10.1056/NEJMp2308792), apparently reversing its policy on data sharing, in line with NIH guidelines, now confirmed by the Office of the United States Presidency. Not long ago, NEJM referred to advocates of data sharing as "research parasites," identifying them as "parasites" of the data obtained by other parties. The irony is pointed out by Ross himself, who had vehemently complained at the time of the above-mentioned editorial. A group of scientists even established an annual award (Research Parasite Award) until at least 2018 for those who contributed significantly to science using data generated by other scientists (https://researchparasite.com/). In any case, this is a welcome change. An excellent example of the fantastic potential of accessible databases is the news in Nature on January 16 about the largest compiled marine genetic database now freely available online (doi: https://doi.org/10.1038/d41586-024-00133-5). In Nature's words: A trove of more than 300 million gene groups from ocean bacteria, fungi, and viruses has been made freely available online. Imagine the studies that can be conducted!
4. Good Practices, 2024
Irresistible temptation! In the January issue of Nature Biotechnology, there is an editorial on cost reduction in the development of gene and cell therapies in developing countries (Johnson, B. Reducing the costs of blockbuster gene and cell therapies in the Global South. Nat Biotechnol 42, 8–12 (2024). https://doi.org/10.1038/s41587-023-02049-3). This article highlights the work done at the Albert Einstein Education and Research Center, a nonprofit institution where I worked from 2009 to 2020. My former colleagues Ricardo Weinlich, Nelson Hamerschlak, and Kenneth Gollob have been doing outstanding work in developing CAR-T cell therapy, gene therapy for correction of sickle cell anemia, and innovative antibody-based cancer treatments. All of this with the scientific and technical quality and ethical care required to successfully implement a new treatment in human patients. The article provides a very good analysis of various initiatives to make these therapies viable in countries with less financial resources.
5. A bizarre case, 2024
A researcher has been dealing with an editorial error from the Springer Nature group. The final version of the article was published with a swapped figure, completely out of context and not provided by the authors. Imagine the researcher's surprise upon opening her recently published article in a journal with an impact factor of 3.6! The error was immediately identified by the author and reported to the publisher. But believe it or not, the PDF was indeed corrected, but the online version was not because, apparently, according to the publisher, once published, the information becomes part of scientific literature and is distributed to all abstract informing and indexing services and cannot be modified! A bizarre situation where the article published as a preprint is correct, the PDF is correct, but the article available on the web page still has the swapped figure. Once again, we need to pay attention to what we read and see on the internet.
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