A ciência envolvendo estudos na área de nutrição tem alcançado muita notoriedade, mas infelizmente por causa do acúmulo de trabalhos malfeitos, com viés nas análises e nos resultados e conclusões altamente comprometedoras. O reitor da Universidade de Indiana David Allison publicou um pequeno resumo com links para quem quiser ler mais sobre o assunto que inclui a dificuldade de retratação de artigos falhos, da raridade de casos de cientistas que reveem seu próprio trabalho e corrigem a literatura, e, finalmente, da sistemática manutenção de informações falhas nas revistas científicas (https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6968552241750294528/).
Mais grave ainda é a manutenção desses mitos e boatos nos canais de veiculação, mídias sociais e revistas de divulgação para leigos. Desde o tempo das nossas avós (lembram que não se podia misturar manga com leite?), as dietas milagrosas para emagrecer, as dietas para bebês, as dietas para grávidas, as dietas para idosos, e mais recentemente as dietas sem glúten (necessárias apenas para pessoas com doença celíaca) e outras mais, convivem no nosso dia a dia, sem evidência científica sólida nem estudos de qualidade feitos para provar ou refutar as informações que circulam por aí. A ausência de estudos bem conduzidos permite que essas “verdades” continuem circulando por aí, sem avaliação crítica do seu poder curativo ou de prevenção e saúde.
Na minha opinião, um dos casos mais emblemáticos é o da vitamina D, onde os mitos foram gerados a partir de estudos experimentais que elucidaram o papel da vitamina D na absorção de cálcio, manutenção dos ossos e na imunidade. A partir daí criaram-se muitas expectativas sobre o poder milagroso de cura pela vitamina D para uma infinidade de problemas (https://www.everydayhealth.com/vitamin-d/vitamin-d-myths-and-facts/). No entanto, o excesso de ingestão de vitamina D é tóxico e causa problemas sérios!
Vários estudos bem conduzidos mostraram que os níveis sanguíneos de vitamina D saudáveis são bem menores do que se pensava anteriormente; hoje são aceitos valores em torno de 20 ng/ml. Além disso, é importante lembrar que muitas das recomendações estão baseadas em populações do hemisfério norte (EUA e Europa) onde a exposição diária ao sol é bem menor, principalmente durante o inverno, do que no Brasil.
Para manter os níveis de vitamina D recomenda-se que a pele seja exposta diariamente ao sol, por pelo menos 15 minutos, entre as 10h e as 12h ou entre as 15h e as 16h 30. E isso é suficiente!
Além disso, você sabia que não há nenhum estudo que comprove que o uso de filtro solar impede a produção de vitamina D (https://www.thechildren.com/health-info/conditions-and-illnesses/true-or-false-using-sunscreen-leads-vitamin-d-deficiency) ? E que a lista de falsas recomendações incluem o uso de vitamina D para proteção cardiovascular, melhorar a performance atlética e, mesmo sem suplemento de cálcio, para prevenir a osteoporose (https://www.keckmedicine.org/blog/do-vitamin-d-supplements-really-improve-your-health/)?
Em todos esses casos estudos desenvolvidos com rigor científico desbancaram os mitos. E há outras instâncias onde ainda não está claro se a vitamina D confere real proteção. É o caso da prevenção ao câncer. Infelizmente, como a vitamina D é considerada um suplemento e não um remédio, não está sujeita aos mesmos critérios para aprovação dos medicamentos e é comercializado livremente, junto com minerais e vitaminas, cuja suplementação igualmente carece de comprovação científica e que podem, igualmente, acarretar efeitos adversos se consumidos em excesso. Uma dieta saudável com verduras, frutas, legumes, nozes, peixes e outras proteínas é mais que suficiente para manutenção desses níveis, sem sequer ser necessárias a reposição ou suplementação. No entanto, os mitos permanecem, permanecem, permanecem....
E, finalmente, toda essa matéria ainda é muito atual. Dentro da extensa lista de artigos retratados sobre diversos temas e a Covid 19, há dois que falam sobre supostos benefícios da vitamina D: um na PLoS 2020 insistindo que 30 ng/ml protege contra hospitalização pela doença, que foi repetidamente criticado pela comunidade de experts por erros de protocolo, análise inadequada, e outras falhas metodológicas graves até finalmente ser retratado (https://retractionwatch.com/2020/10/26/paper-suggesting-vitamin-d-might-protect-against-covid-19-earns-an-expression-of-concern/). O segundo, postado como preprint na revista Lancet (https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3771318) não sobreviveu às críticas. No entanto, há uma legião de fãs da vitamina D tomando suplementos por crer que, junto com o zinco, é a melhor garantia de proteção contra a Covid preferindo isso à vacinação!
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