Consentimento Informado: muito mais que uma assinatura
- Anna Goldberg
- 19 de set.
- 4 min de leitura

O que é?
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é um dos pilares da ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Ele garante que a decisão por parte do paciente ou de qualquer outra pessoa, de participar de um ensaio clÃnico, onde novos tratamentos são testados ou novos conhecimentos são avaliados, seja tomada de forma livre, consciente e informada, com base em um diálogo transparente entre pesquisador(a) e participante.
Mais do que um documento obrigatório, o consentimento é um processo contÃnuo de comunicação que começa sempre antes do inÃcio da coleta de dados e deve se estender até o encerramento da pesquisa.
O que diz a legislação brasileira?
No Brasil, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/2012 orienta pesquisas em saúde, enquanto a 510/2016 trata de estudos nas ciências humanas e sociais. Ambas (Ética em Pesquisa — Conselho Nacional de Saúde (www.gov.br) reforçam que:
O consentimento deve ser obtido sem coação, intimidação, fraude ou erro.
A linguagem deve ser clara e adequada à idade, escolaridade, cultura e contexto do participante.
O diálogo deve incluir objetivos, métodos, duração, riscos, desconfortos, benefÃcios, garantias de sigilo e de retirada a qualquer momento.
O participante deve receber uma via do TCLE ou, quando não for escrito, ter acesso à s informações de forma registrada e acessÃvel.
Em resumo, o TCLE explica, em termos que possam ser compreendidos pelo futuro participante do ensaio clÃnico, como o estudo será efetuado e qual o objetivo e benefÃcios esperados. Deve apresentar também os riscos decorrentes da participação daquele estudo, bem como as garantias individuais. Desta forma, de posse de informação necessária e suas dúvidas sanadas, o participante dá a sua anuência. E por que isso é tão importante?
Por que isso importa?
A história tem nos mostrado inúmeras vezes porque a obtenção do TCLE é importante. Desde os experimentos atrozes com prisioneiros dos campos de concentração nazistas, que culminaram em 1947 no código de Nuremberg, a crescente conscientização levou, posteriormente, ao aperfeiçoamento pela Associação Médica Mundial, gerando em 1964, a primeira Declaração de Helsinque (https://pt.wikipedia.org/wiki/Declaração_de_Helsinque), que foi depois revisada e atualizada várias vezes. Mas, mesmo assim, ocorreram ainda inúmeros casos notórios. São exemplos: o estudo Tuskegee de observação da sÃfilis em negros sem receberem tratamento (informação inexistente) e o caso da talidomida, que, sem ser adequadamente testada previamente, foi dada a mulheres gestantes que geraram crianças com malformações (informação insuficiente). O excelente livro The Occasional Human Sacrifice, de Carl Elliot, especialista em Bioética da Universidade de Minnesota, destrincha vários desses casos, como vieram à tona e o que aconteceu depois.
Hoje, em qualquer estudo, é necessário que ele passe pelo crivo de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) que irá analisar todos os aspectos relevantes de um estudo e validar o conteúdo do TCLE correspondente, com o intuito de resguardar os direitos do participante.
Qual o Conteúdo essencial de um TCLE?
Um Termo de Consentimento deve, no mÃnimo, apresentar as seguintes informações:
Justificativa e objetivos do estudo.
Procedimentos e métodos que serão utilizados.
Riscos e desconfortos e as medidas para minimizá-los.
BenefÃcios esperados para o participante e/ou comunidade.
Assistência e acompanhamento durante pesquisa e por um perÃodo definido após o fim do estudo.
Garantia de sigilo e privacidade das informações.
Direito de recusa ou retirada sem prejuÃzo pelo participante.
Em caso de danos, e em que casos, detalhes sobre ressarcimento e/ou indenização.
Contatos do pesquisador e do Comitê de Ética.
Há situações especiais?
Quando o participante é criança, adolescente, pessoa com capacidade de decisão reduzida, é obrigatório obter o consentimento do responsável legal e o assentimento do participante, respeitando seu nÃvel de compreensão. Há casos também de participantes em situação de vulnerabilidade (ex: recém diagnosticados ou portadores de doença grave) ou de subordinação (ex: enfermeiras ou militares) que exigem especial atenção.
Em comunidades tradicionais ou indÃgenas, deve-se respeitar lideranças e costumes coletivos, sem abrir mão do consentimento individual, quando possÃvel.
No caso de pesquisas com dados de acesso público, mesmo que legalmente disponÃveis, deve-se avaliar riscos de identificação, estigmatização ou quebra de expectativas de privacidade. O caso recente de um estudo com postagens do Reddit sobre esquizofrenia (https://retractionwatch.com/2025/07/10/reddit-informed-consent-schizophrenia-study-public-posts-social-media/) que foi retratado por falta de consentimento prévio, mostrou que a confiança do participante é tão importante quanto a legalidade do acesso.
Lembretes importantes?
Ignorar o consentimento informado pode resultar em:
Quebra de confiança entre pesquisador e comunidade.
Violação de direitos humanos e bioéticos.
Sanções institucionais e até retratação de artigos.
Dano à reputação pessoal e da instituição.
Boas práticas para pesquisadores
Comece cedo: prepare e revise o TCLE antes do inÃcio do estudo.
Adapte a comunicação: adeque formato e linguagem ao público.
Explique riscos e benefÃcios de forma realista.
Registre e documente todo o processo. Obs: Já são aceitas anuências de TCLE por via remota e/ou digitalizadas.
Mantenha o diálogo e informe mudanças no protocolo.
Respeite a decisão do participante em qualquer fase.
O consentimento informado não é um ato burocrático, mas um compromisso ético que transforma o participante em parceiro da pesquisa. É a ponte de confiança que sustenta a integridade cientÃfica e a legitimidade social do estudo.